Este será certamente, dos artigos que mais controvérsia suscitará nos próximos tempos. Vamos falar de capacetes. Sim, esse objecto pelo qual já tantos reclamaram da sua falta aqui no Lisbon Cycle Chic. Antes de saltarem já para o fim, e comentarem a dizer que não concordam, leiam o texto calmamente. E se estiverem mesmo interessados em debater o assunto, leiam também os links que aqui coloco.
Aqui na coluna do lado direito, encontram a campanha da ECF e uma página no Facebook que abordam precisamente este tema. Tal como lá está escrito, não sou contra o uso de capacete. Volto a repetir: não sou contra o uso do capacete. Ok, agora que já esclareci, vou completar. Sou contra leis que obrigam o seu uso e contra campanhas alarmistas de promoção do mesmo, baseadas no medo e no horror.
No entanto, eu uso capacete quando faço BTT pelos montes fora – e recomendo a quem o faça – mas não uso capacete quando ando de bicicleta no dia-a-dia ou em passeio. Do mesmo modo que um piloto de ralis (ou de outra modalidade automóvel) utiliza capacete, e qualquer cidadão comum não o faz quando conduz o seu carro.
Normalmente respondem-me com esta: “- ah e tal, se caires de bicicleta e bateres com a cabeça, é melhor que tenhas capacete.” Concordo… seria melhor. E se ao atravessar a rua a pé, fosse atropelado, também seria melhor se levasse capacete. E se for de carro? Se tiver um acidente e bater com a cabeça, também é melhor levar capacete. Na realidade, as estatísticas mostram, que é muito mais provável termos uma lesão craniana num acidente de automóvel do que num acidente de bicicleta. Estas estatísticas (que podem ser consultadas nesta página) são feitas na sua maioria, nos EUA, ou seja, num dos locais do mundo onde a percentagem de mortos de bicicleta até é das mais elevadas. Apesar disso, os números não mentem, e a quantidade de actividades mais perigosas do que andar de bicicleta, deixam qualquer pessoa surpreendida.
Ou seja, trata-se apenas de gestão do risco. Toda e qualquer actividade humana tem uma componente de risco. Temos de saber lidar com ele.
FACTO: andar de bicicleta, exceptuando as vertentes radicais e/ou competitivas, é uma actividade segura.
FACTO: nos países onde há mais gente a andar de bicicleta, a percentagem de acidentes diminui substancialmente.
FACTO: o capacete per si não evita acidentes. Uma condução segura e defensiva, sim.
FACTO: nos países onde foram implementadas leis obrigando o uso do capacete, a utilização da bicicleta caiu de um modo significativo (ex. Austrália)
Este último ponto, é da maior importância, pois aparentemente, ao se obrigar o uso de capacete estaríamos a salvar vidas. No entanto, o número de vidas que se perdem pela consequente redução do uso da bicicleta é muito superior. Os benefícios para a saúde pública, resultantes do exercício físico que a utilização da bicicleta confere, são enormes e não devem ser descartados. (ver também este artigo).
Já vi muita gente a pedir a obrigatoriedade do uso no Código da Estrada – políticos incluídos. A inconsequência deste pedido é um reflexo da falta de informação sobre o assunto. Em Melbourne, Austrália, o sistema de bicicletas partilhadas está a ser um autêntico fracasso, pois a obrigatoriedade do uso do capacete, torna o mesmo muito pouco versátil – mesmo com a disponibilização de capacetes em máquinas de venda automáticas (5$ – um preço baixíssimo).
Nos últimos anos em Portugal, a prática de BTT tem sido das actividades desportivas que mais tem crescido. E com ela, uma cultura de utilização do capacete. Se por um lado é positiva esta crescente prática desportiva, e com protecção adequada (dados os riscos inerentes à mesma), por outro lado, teve uma consequência perniciosa – as pessoas, associam a necessidade de uso do capacete, a uma actividade perigosa. É inseparável – se não fosse perigosa, então porque é que as pessoas utilizariam o capacete? Como já disse antes, considero a prática radical e/ou competitiva com risco suficiente para recomendar o uso de capacete (e concordo que o mesmo deve ser obrigatório em provas e passeios com este carácter). Mas a generalização do uso do capacete a toda a utilização da bicicleta, tem como consequência, uma imagem negativa da bicicleta do ponto de vista da segurança. Volto a repetir – andar de bicicleta normalmente, é uma actividade segura. Claro que se eu pedalar em altas velocidades, no meio do trânsito, colocando-me em situações de risco, então aí já não estamos a falar em pedalar normalmente. Daí o lema deste blog: A pedalar calmamente pela cidade, com estilo e sem stress.
Se a minha experiência pode servir para alguma coisa, aqui fica: eu tenho muitos kilometros feitos de bicicleta nos últimos 20 anos. Uns bons milhares em BTT, mas muitos mais, feitos em cidade, no meio do trânsito. Em BTT já tive inúmeras quedas, e já destruí 2 capacetes. Em cidade caí apenas 1 vez, sem qualquer consequência (com chuva e pneus fininhos, a baixa velocidade, distraí-me a subir um lancil na diagonal).
Se queremos ver a utilização da bicicleta crescer significativamente no nosso país, não podemos promover o uso do capacete com campanhas que prejudicam a imagem da bicicleta do ponto de vista da segurança. E certamente não podemos pedir legislação que venha desincentivar o seu uso.
Termino dizendo o seguinte: quem se sente mais confortável a utilizar o capacete quando anda de bicicleta, é livre de o continuar a fazer – devemos ter o direito a escolher como nos sentimos melhor. Mas já que o vão fazer, pelo menos escolham um modelo mais giro – a maioria dos capacetes que se vêem por aí não têm mesmo graça nenhuma…
Agora se todos os dias metem o capacete, só porque “disseram-me que devo usar” ou porque simplesmente nunca pensaram nisto, então secalhar chegou a altura de ponderar, e fazer uma escolha informada. Espero que este artigo tenha contribuído para isso.
EDIT – embora não relacionado directamente com capacetes, mas sim sobre o tema do risco e do medo, deixo aqui duas referências excelentes, ambas do investigador Tim Gill:
– No Fear – Growing up in a risk averse society (Download grátis do livro em formato PDF – pelo menos leiam o resumo de 4 páginas, que vale bem a pena)
– Tim Gill – Risk and Childhood (Video de uma fantástica palestra da RSA)
EDIT II – A propósito de capacetes para quem anda de carro